JEREMIAS AGOSTINHO - "O DEFICIENTE SANEAMENTO BÁSICO" CONTRIBUIU PARA O SURTO DE CÓLERA EM ANGOLA
Luanda: Quatro províncias
angolanas, Luanda, Bengo, Icolo e Bengo e Malanje, estão afectadas pelo surto
de cólera, declarado no passado dia 7 de Janeiro, em Luanda, no município do
Cacuaco. De acordo com o Ministério angolano da Saúde, mais de 600 casos foram
registados, com 29 óbitos. O médico especialista em saúde pública, Jeremias
Agostinho, admite que a debilidade do saneamento básico de Luanda terá
contribuído para o surto de cólera.
Fonte: RFI
Em menos de duas semanas, o
surto de cólera - que começou no bairro do paraíso - já se alastrou por quatro
províncias angolanas. Foram registados mais de 600 infectados e 29 óbitos. Como
se explica este cenário?
Na verdade, este surto não nos
apanhou de surpresa. Em finais de 2023, início de 2024, o Ministério angolano
da Saúde e a Organização Mundial da Saúde - OMS- notaram um aumento do número
de casos de doenças diarreicas, a nível da nossa população, e em função do
deficiente saneamento básico que termos, associado à agudização da pobreza, do
acesso à economia e da alimentação - 90% da economia é informal - o risco de
cólera era muito grande.
Sem esquecer que países
vizinhos, como a Zâmbia, Zimbabwe e Moçambique - cujo trânsito aéreo é muito
frequente - já estavam a registar casos [ de cólera]. Em 2024, a Organização
Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde definiram um plano de contingência para
casos de cólera, com a formação de profissionais de saúde, a partir de Abril e,
infelizmente, em 2025 confirmou-se e começou o surto de cólera em Angola.
Se já havia um plano de
contingência, profissionais preparados, este alastramento não poderia ter sido
evitado?
Os últimos dados
governamentais apontam que em cada dez angolanos, cinco não têm acesso a água
potável. É um número bastante elevado e depois também temos que referir que em
cada dez angolanos, cinco fazem defecação ao ar livre, uma vez que o acesso ao
sistema de saneamento, principalmente a nível da capital, é muito restrito.
As pessoas não têm acesso aos
sistemas de drenagem comuns para as águas residuais ou as águas dos quartos de
banho. Neste período, na capital e nas províncias, estamos a ter chuvas muito
intensas e tudo isso levou a que o surto se instalasse.
Por exemplo, no bairro do
Paraíso, município de Cacuaco, onde tivemos os primeiros casos, essa zona que
possui outros factores agravantes. As habitações são muito precárias e
habitualmente por metro quadrado, residem cerca de 4 a 7 pessoas.
São residências precárias,
onde não há latrinas. Já falou aqui da época de chuvas, todos estes factores
prepararam o terreno para este surto?
Exactamente, com as chuvas que
se vão abatendo pela cidade, o sistema de drenagem não está a funcionar e há
muitas inundações. Então, quando juntamos aglomerados populacionais, enchentes,
defecação ao ar livre, falta de acesso à água potável, cria-se um cenário
propício para o alastramento da doença.
Há ainda a questão do
tratamento do lixo que é feito na capital…
O tratamento do lixo aqui na
capital é um problema crónico. Há bastante atraso na recolha do lixo e o lixo
que é depositado no aterro sanitário, próximo dessa zona afectada pela cólera,
não é um aterro sanitário, porque não se faz tratamento de lixo. A única coisa
que se faz no aterro é a incineração de alguma parte do lixo. Depois a outra é
invadida pela população que aproveita esse lixo para se alimentar.
Por norma, por causa da falta
de contentores para depositar o lixo, depositam o lixo nas valas de drenagem. A
água das chuvas enche as valas e acaba por arrastar todo o lixo para as praias.
Isto faz com que o risco de contaminação pela doença aumente ainda mais. Todo
esse conjunto de situações faz com que a doença cresça rapidamente.
Acabando por ter um impacto,
também, nos alimentos que são consumidos?
Na urbanização Nova Vida, que
é mais ou menos uma urbanização para a classe média, o sistema de fossas está
sempre a abarrotar e a verter água repleta de fezes. Essa água vai desaguar no
rio Camba. Na zona ribeirinha desse rio é praticada a agricultura familiar,
cuja rega é feita com a água composta por restos de fezes e lixo dos moradores
da urbanização. Nas zonas afetadas pela cólera, é justamente a mesma coisa que
acontece.
A Empresa Pública de Águas de
Luanda- EPAL- já veio afirmar que está com dificuldade em distribuir água para
a população….
Dizer que está com dificuldade
de distribuir água seria minimizar o problema. Na verdade, nunca houve uma
adequada distribuição de água para a população. A água que chega até aos
cidadãos é uma água que, infelizmente, tem cloro, tem sabor e não cumpre os
requisitos da chamada água potável. Agora que está a chover bastante e as
populações precisam de água, por causa do surto de cólera, não há distribuição
adequada, nem produtos para fazer a desinfecção da água.
Quais são os sintomas de
cólera? E quando é que os pacientes se devem dirigir a uma unidade hospitalar?
São quadros de diarreia aguda
bastante abundante, cãimbras, vómitos, fraqueza, muita sede e fome. São os
sinais e sintomas que estão a ser apresentados pelos utentes.
É neste quadro que os
pacientes se devem dirigir ao hospital?
Nós temos estado a aconselhar
a todas as pessoas que possuem quadros de diarreia e vómito, abundante ou não,
a se dirigirem às unidades de saúde. No caso da cólera, 80% das pessoas que
serão infectadas não terão sinais e sintomas, mas transmitem a doença, uma vez
que a bactéria se encontra nas fezes.
O Governo está a fazer um bom
serviço. Na principal zona afectada, montou uma área para internamento dos
doentes, uma área para distribuição de água e outra de distribuição de meios
para desinfectar a água. Esse processo tem que ser só mais abrangente para ver
se, pelo menos, antes de Abril conseguimos acabar com o surto de cólera.
Que recomendações deixa às
autoridades e à população?
As autoridades têm estado a
trabalhar bem no quesito da informação, nomeadamente sobre o estado do surto e
as medidas preventivas para a população. Esse trabalho tem de continuar. Deu-se
início agora à distribuição dos soros de água, também é um trabalho que deve
continuar a ser feito.
Relativamente à população, o
que recomendamos, nesta altura, são cuidados com a água que ingere, que usa
para higiene pessoal e para a lavagem dos alimentos. A água deve ser tratada ou
fervida. Também se deve ter cuidado com o lixo. Deve ser colocado em sacos para
que as moscas, ou as baratas não tenham acesso. Estes animais também são
transmissores da doença. E pelo menos durante esse período, devem ser
construídas latrinas para não haver defecação ao ar livre.
Também se devem evitar as idas
à praia. A chuva leva o lixo e as águas residuais para as principais praias da
capital.
E os pequenos gestos como a
lavagem das mãos e a lavagem dos alimentos…
Exactamente, com água tratada,
principalmente os alimentos que não vão passar pelo fogo. Deve-se consumir
alimentos, de preferência, que se tem garantia que foram bem preparados. Fora
de casa, aconselho as pessoas a não consumirem alimentos que não passem pelo
fogo, como por exemplo, a salada, entre outros, por causa desse risco de
transmissão.
A lavagem das mãos, quando não é possível - nem sempre temos água - vamos passar álcool- gel. E isto fica sob responsabilidade das autoridadesque devem distribuírem esses meios para a população mais carente.
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